“Dormientibus non succurrit jus” (o direito não socorre aos que dormem): Em tempos de caça-às-bruxas, ou melhor dizendo de caça-aos-cofres, qualquer forma de planejamento (tributário ou sucessório) é sempre muito bem vinda, ademais a considerar que o simples fato de se parar para refletir sobre determinada situação, já é por si, algo positivo. Se puder estar acompanhado de medidas e ações práticas, melhor ainda. Embora não seja ainda um hábito no Brasil, o planejamento sucessório tende a permitir uma reflexão maior sobre a condução do espólio (bens deixados pelo morto) quando chegada a hora, viabilizando a adoção de medidas que vão desde a redução nos custos “causa mortis” (impostos, custas processuais, custas com cartórios e certidões, etc) até a possibilidade de conhecimento da real vontade do titular desses bens em relação à sua sucessão, o que, no mais das vezes, acaba por encerrar uma interminável disputa entre herdeiros. Trata-se de área não muito explorada pelos advogados de um modo geral, quiçá, seja esse ainda o motivo de não ter se tornado o planejamento sucessório uma constante no Brasil, havendo ao nosso sentir, um potencial a ser explorado, especialmente pelos novos advogados. (por Luciano Buratto).
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A expectativa de elevação da alíquota do Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD) e a possibilidade de ser criado um tributo sobre grandes fortunas têm movimentado os escritórios de advocacia. As consultas de interessados em efetuar um planejamento sucessório, para reduzir a tributação, mais que dobraram em algumas bancas.
O ITCMD é cobrado pelos Estados e a alíquota é fixada pelo Senado. Atualmente, varia entre 4% e 8%. Em agosto, o Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) encaminhou ao Senado uma proposta para elevar a alíquota de 8% para 20%. E, em tempos de crise, a implementação do imposto sobre grandes fortunas também voltou a ser discutida. O tributo está previsto na Constituição, mas nunca foi instituído.
“O boato do imposto sobre herança já antecipou muita coisa que vinha sendo deixada de lado. O ITCMD vem como um reforço”, diz o advogado Mauricio Pernambuco Salin, do escritório Azevedo Sette Advogados, acrescentando que um planejamento sucessório feito no fim de agosto, tendo como foco o imposto sobre grandes fortunas, já foi alterado pela possibilidade de aumento do ITCMD.
A questão, que quase não gerava consultas ao Demarest Advogados, tornou-se comum. Os advogados recebem agora pelo menos uma ligação diária, conforme Carlos Eduardo Orsolon, da área tributária. Já no MHM Advogados, por exemplo, foram realizadas dez operações até setembro, o dobro em comparação com todo o ano de 2014.
Segundo Marcelo Gustavo Silva Siqueira, tributarista do Siqueira Castro Advogado, o crescimento no número de consultas levou o escritório a criar um núcleo de planejamento sucessório. A área reúne profissionais dos setores tributário, societário e cível.
A procura também chegou aos escritórios com estruturas mais enxutas. “Faz uns dois meses que o assunto está pegando fogo”, diz Luís Gustavo Fratti, do Fratti e Ulian Sociedade de Advogados.
Geralmente, segundo advogados, o cliente de planejamento sucessório faz consulta e acaba deixando para depois a operação. “Todo mundo sempre acha que vai ter mais tempo pra fazer isso”, afirma Fernando Verzoni, sócio do Veirano Advogados. Com a possibilidade de aumento no imposto, porém, o interesse tem sido maior, acrescenta o advogado.
Como muitos Estados não adotam a alíquota máxima do imposto, advogados acreditam ser possível a majoração dos percentuais adotados hoje, mesmo que o novo teto de 20% não seja aprovado. O Paraná, por exemplo, já manifestou a intenção de alterar a tributação da alíquota fixa de 4% para uma tabela progressiva até 8%.
Apesar da pressa, não há uma fórmula pronta para o planejamento sucessório, pois é necessário avaliar os bens envolvidos. “Não existe receita de bolo, é um trabalho que depende de detalhes, apesar de simples conceitualmente”, afirma Marcello Bertoni, responsável pela área tributária do MHM. Entre os desenhos mais comuns estão a doação com reserva de usufruto, em que o bem é repassado para o herdeiro, mas com a possibilidade de uso pelo doador, e a holding patrimonial.
No último caso, os bens são reunidos e as cotas doadas aos herdeiros também com reserva de usufruto. O ponto delicado do planejamento é o tipo de bem envolvido, que pode mudar os custos. Em patrimônios com imóveis de locação ou venda, por exemplo, é necessário considerar o Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis (ITBI), que pode tornar a holding patrimonial menos atrativa, segundo advogados.
No cenário de crise econômica, além do ITCMD, deve-se pensar também na proteção ao patrimônio de empresários e na organização da sucessão no caso de empresas familiares. Marcello Bertoni ainda alerta famílias brasileiras que se mudaram para o exterior a considerarem o imposto sobre herança em outros países – que nos Estados Unidos, pode chegar a 40%, por exemplo.
A execução dos planejamentos sucessórios é um ponto delicado, de acordo com o advogado Mauricio Pernambuco Salin. “O mais normal é planejamento sucessório executado pela metade, porque nunca se pega assinatura de tudo”, diz. Em um caso que atuou, um dos herdeiros queria vender sua parte da herança, mas o acordo de acionistas não tinha regras para saída do negócio ou preço para venda da fatia. “O planejamento mal executado fez com que cinco escritórios tivessem que resolver um problema que poderia ter sido planejado há 15 anos.”
Nas últimas semanas, outras possibilidades de mudanças para elevar a arrecadação federal foram levantadas. Porém, não gerou a mesma movimentação que o ITCMD e imposto sobre grandes fortunas, segundo Pedro Cesar da Silva, diretor na Athros Auditoria e Consultoria. “Há clientes com o quais falávamos há muito tempo sobre planejamento sucessório. Mas foi só quando começaram a tratar de aumento do imposto que quiseram fazer o planejamento.”
Por Beatriz Olivon – De Brasília
fonte: AASP/Clipping: http://www.aasp.org.br/aasp/imprensa/clipping/cli_noticia.asp?idnot=20106