A Operação Zelotes caiu como uma bomba no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf). Depois de deflagradas as buscas e apreensões da Polícia Federal, as sessões de julgamentos marcadas para esta quinta-feira foram suspensas por determinação do presidente do órgão, Carlos Alberto Barreto. Foram canceladas as reuniões da 1ª Seção, que julga multas relativas a Imposto de Renda e CSLL, e da 3ª Turma da Câmara Superior, que analisa questionamentos contra multas de PIS e Cofins. O clima estava tenso entre os presentes, e as perspectivas, pessimistas.
Conselheiros e advogados temem agora que o Carf transforme-se em um órgão de passagem para o Judiciário, como resultado das investigações da PF. Pessoas físicas e até multinacionais recorrem atualmente ao órgão em busca de uma decisão técnica e administrativa sobre autos de infração lavrados pela Receita Federal. Para as empresas há grande vantagem por não ser exigido o depósito em juízo dos valores em discussão enquanto dura o processo na esfera administrativa.
Criado em 2008 e vinculado ao Ministério da Fazenda, o conselho é a última instância administrativa para pessoas físicas e jurídicas questionarem as multas tributárias. A composição é paritária, ou seja, formado por representantes do Fisco – auditores fiscais – e dos contribuintes – advogados tributaristas.
Em caso de derrota, o contribuinte pode recorrer à Justiça. A Fazenda não tem esse direito nas situações em que as multas sejam canceladas ou reduzidas. Em caso de empate de um julgamento, porém, cabe ao representante da Receita Federal o voto de desempate. É o que se chama internamente de voto de qualidade.
Por isso, avaliam fontes, especialmente em casos complexos e com valores altos de autuação, bastaria que um julgador fosse corrompido para desequilibrar as forças.
Com as denúncias de corrupção e o envolvimento de conselheiros e ex-conselheiros no esquema, o receio é de endurecimento do órgão a favor do Fisco.
“Conselheiros vão sair e conselheiros fazendários vão entrar com um comando. Haverá certamente medo de proferirem votos a favor do contribuinte, ainda que tecnicamente corretos”, afirma um advogado. Um tributarista resume: “Quem tem o direito não terá um julgamento justo.
A Polícia Federal não divulgou os nomes das pessoas investigadas na operação, porque as apurações ainda estão em andamento. Segundo a assessoria do órgão, que disponibilizou o áudio de coletiva de imprensa realizada após as buscas, as buscas realizadas na quinta-feira pela manhã visam a produção de provas para instrução do processo.
De acordo com o delegado Marlon Cajado, responsável pela Zelotes, foram identificadas cobranças de propina para exames de admissibilidade e mesmo para pedidos de vista no tribunal administrativo. A PF também encontrou indícios de manipulação de cinco julgamentos, de acordo com o delegado. A operação é feita em conjunto com a Receita Federal, o Ministério Público Federal, a Corregedoria do Ministério da Fazenda e atingiu os Estados de São Paulo, Ceará e o Distrito Federal.
Como chegamos até aqui
O Carf já havia estremecido e o desenho institucional colocado à prova no passado.
Há dois anos, em fevereiro de 2013, 59 ações populares foram ajuizadas na Justiça na tentativa de derrubar decisões do Carf que cancelaram multas fiscais bilionárias de empresas como Petrobras, Braskem, Santander e Gerdau. Assim como ocorreu hoje, as sessões de julgamento, naquela ocasião, foram suspensas e o assunto foi dominante nos 13 andares do órgão, em Brasília.
Com o argumento de lesão ao patrimônio público, os processos foram movidos pela advogada Renata Soratto Uliano Rangel, esposa do ex-procurador da Fazenda Nacional Renato Chagas Rangel, exonerado do cargo em 2010 por improbidade administrativa.
Na época, o advogado-geral da União, Luis Inácio Adams, saiu a público em defesa do Carf e dos conselheiros.
As ações populares foram extintas pela Justiça sem resolução de mérito por falta de atos ilícitos ou indícios de lesão ao patrimônio público que justificassem a anulação dos acórdãos ou a responsabilização de conselheiros. Em uma das sentenças, o magistrado afirmou que o Judiciário não poderia admitir ações populares que “intimidassem” agentes públicos.
Diante de pedidos de proteção, foi editada a Lei 2.833/2013 que blindou conselheiros de serem responsabilizados civilmente pelas decisões do Carf, exceto quando comprovado dolo ou fraude. Na época, a norma foi comemorada por garantir a autonomia do órgão e a independência dos conselheiros.
Em agosto daquele ano, foi levado ao pleno do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) o questionamento se advogados na ativa poderiam atuar como julgadores em tribunais administrativos fiscais.
No caso concreto, discutia-se o modelo do Tribunal de Impostos e Taxas do Estado de São Paulo, mas a decisão impactaria o Carf que adota o mesmo desenho de órgão paritário. O artigo 28 do Estatuto da Ordem – a Lei nº 8.906, de 1994 – estabelece como incompatível com a advocacia a função de julgador em órgãos de deliberação coletiva da administração pública direta e indireta. Na ocasião, a OAB definiu, contudo, que não haveria incompatibilidade entre as funções uma vez que os advogados não são remunerados como julgadores.