O Juízo da 4ª Vara Federal de Florianópolis, ao julgar o mandado de segurança nº 5011192-28.2017.4.04.7200/SC, conduzido pelo nosso escritório, concedeu a segurança para declarar a inconstitucionalidade do procedimento de inclusão do ICMS na base de cálculo da CSLL e do IRPJ apurado no regime de lucro presumido, bem como declarar o direito do contribuinte de restituir ou compensar os valores recolhidos indevidamente a esse título nos cinco anos, acrescidos da Taxa SELIC.
Excelente decisão, pois muito embora seja óbvio que o ICMS não pode integrar a base do lucro presumido, há ainda muita confusão com relação a essa questão.
O lucro presumido é uma forma de apuração do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica – IRPJ e da Contribuição Social sobre o Lucro – CSLL, em que o lucro é determinado com base na presunção calculado a partir da receita bruta, aplicando-se um dos seguintes percentuais de 1,6%, 8%, 16% ou 32%, de acordo com a atividade exercida pela pessoa jurídica.
Segue exemplo com valores pequenos para simplificar. Na atividade de venda de mercadorias e produtos, o percentual é de 8%. Supondo que a receita bruta no mês foi R$50.000,00, aplica-se o percentual de 8% cujo resultado é de R$4.000,00. Sobre os R$4.000,00 será aplicada a alíquota do IRPJ de 15% e da CSLL de 9%, resultando R$600,00 a pagar de IRPJ e R$360,00 de CSLL.
Como se vê, é uma forma simplificada de apuração que é adotada por boa parte dos contribuintes que optam por ela no início do ano, visto que apurar pelo lucro real é complexo, caro e requer diversos controles. Ocorre que, em algumas hipóteses a forma de apuração pelo lucro presumido acaba não sendo boa para o contribuinte, porque se no final do ano ele aufere prejuízo, terá que pagar IRPJ e CSLL da mesma forma e não pode recuperar os valores pagos.
Se o contribuinte teve R$50.000,00 de receita (com a venda de mercadoria) e R$70.000,00 de despesa (com aluguel, funcionários, etc…), vai ter que pagar IRPJ e CSLL da mesma forma.
Assim, a opção pelo lucro presumido no começo do ano é uma loteria para o contribuinte, que pode se beneficiar ou não.
Muito embora isso seja de conhecimento de muitos, é necessária essa introdução pois os contribuintes têm ingressado com ações para excluir o ICMS na base do IRPJ e CSLL das empresas que optam pelo lucro presumido, visto, que a base é a receita bruta, mas isso tem causado muita confusão.
É preciso deixar claro que o IRPJ e CSLL apurado com base no lucro presumido, não tem qualquer relação com apurar lucro efetivamente (daí porque se chama lucro PRESUMIDO). Há uma presunção de lucro, mesmo que não exista lucro (lucro real).
Pois bem, é de conhecimento geral que Plenário do STF, no julgamento do Recurso Extraordinário 574706, com repercussão geral reconhecida ao interpretar o conceito de receita bruta deixou claro que o valor do ICMS não compõe a receita bruta, porque não se incorpora ao patrimônio do contribuinte, representando apenas ingresso de caixa ou trânsito contábil a ser totalmente repassado ao fisco estadual. O Ministro Marco Aurélio, no voto proferido no Recurso Extraordinário nº 240.785-2- MG, destacou: “Se alguém fatura ICMS, esse alguém é o Estado e não o vendedor da mercadoria”. Em outras palavras, o ICMS é receita dos estados-membros.
Pois bem com esses julgamentos o STF ajudou a esclarecer o conceito de “receita bruta” e faturamento. Disto se extrai, que em qualquer situação que a lei estabeleça que um tributo incida sobre a receita bruta, ou faturamento, obviamente, o ICMS não pode ser incluído na base da exação, já que o imposto estadual é receita do Estado e não do contribuinte.
O STF já fixou os parâmetros para a interpretação de “receita bruta”. De se lembrar que o art. 110 do CTN, estabelece que “A lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições Estaduais, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias”.
Tal dispositivo obsta qualquer forma de manobra pelo legislador para que, modificando o conteúdo e o conceito dos institutos de Direito Privado, possa expandir a competência constitucional. Ora, se nem o legislador pode alterar conceitos de direito privado, muito menos poderá o fisco alterar. Mesmo porque, os conceitos de direito privado, não mudam de acordo com o humor ou a situação específica, ou se diferenciam de acordo com o tributo, sob pena de causar insegurança jurídica.
Assim, receita bruta é um conceito que não muda, seja ela a base do PIS, da Cofins, do IRPJ e CSLL apurados com base no lucro presumido, ou mesmo base da CPRB.
Imagina se a cada situação específica se mudasse o conceito de compra e venda, ou de permuta, ou de casamento, ou de dação em pagamento, ou de compensação. Seria um caos, uma completa confusão jurídica.
Pois bem, nas ações que pretendem excluir o ICMS da base do IRPJ e CSLL da receita bruta, os principais argumentos da União Federal são:
(i) O STJ tem jurisprudência no sentido de que o ICMS integra a base do IRPJ e CSLL das empresas que optam pelo lucro presumido;
(ii) os percentuais do lucro presumido já representam dedução e que o ICMS já estaria compreendido nessas deduções.
Esses argumentos são absurdos, pois o STJ proferiu essa jurisprudência ANTES do julgamento do STF no Recurso Extraordinário 574706, com repercussão geral reconhecida.
Tampouco tem sentido o argumento de que os percentuais do lucro presumido de 1,6%, 8%, 16% ou 32%, aplicados sobre a receita bruta representam dedução e que o ICMS já estaria compreendido nessas deduções.
Ora, se o ICMS não integra a receita bruta, como já definiu o STF é óbvio que não se pode falar que o ICMS estaria dentro das deduções previstas na lei, porque o ICMS não integra a receita bruta para que possa ser deduzido. Somente pode se deduzir aquilo que já está dentro, o que não está dentro não pode ser deduzido porque nunca integrou.
E tampouco o ICMS é despesa da pessoa jurídica, pois, conforme também destacou o STF, o ICMS é mero ingresso na contabilidade da pessoa jurídica, pois é receita dos estados. Apenas transita na conta da empresa sem lhe pertencer. O contribuinte age com mero arrecadador do fisco estadual.
Conforme demonstrado acima, o percentual de dedução do lucro presumido não considera as despesas do contribuinte, pois o contribuinte que opta pelo lucro presumido paga IRPJ e CSLL mesmo se tiver prejuízo. Se o percentual de dedução considerasse as despesas dos contribuintes, eles jamais pagariam IRPJ e CSLL sobre o lucro presumido quando auferissem prejuízo.
Finalmente deve se lembrar que decisão do STF, que definiu um conceito, qual seja, que o ICMS não integra a receita bruta, deve ser respeitado em todas as situações.
Fonte: Tributário nos bastidores